Nas últimas semanas, um
dos assuntos mais comentados em páginas e grupos feministas, foi a declaração
de um rapaz em que ele se assumia pedófilo. Logo em seguida, ele recebeu
comentários em que as pessoas o xingavam e amaldiçoavam a sua vida. Mas, o mais
interessante neste fato, foi a quantidade de pessoas em que o apoiaram e diziam
apoiar a prática da pedofilia.
As pessoas que tentavam
justificar o crime, diziam que esta “vontade” e “atração por crianças” não
passa de um distúrbio e que se eles se tratarem, podem se curar. No entanto,
poucos foram os comentários sobre as vítimas dos pedófilos. Sobre os
tratamentos psiquiátricos e psicológicos aos quais nos submetem tentando achar
a cura para as marcas que ficam.
Por isso, resolvi escrever
sobre isso: pedofilia. Fui vítima do meu primo, quando eu tinha uns 4 ou 5
anos, e ele tinha entre 15 e 16 anos. Segundo a minha mãe, os abusos duraram
cerca de um ano, até que ela e meu pai descobrissem. Ele abusava de mim e da
minha irmã, que é dois anos mais nova do que eu. Por sorte, ela não carrega lembranças
da época, já eu as possuo bem nítidas em minha memória. E, por mais que eu
tente, elas não desaparecem. Houve épocas em que eu simplesmente apaguei tudo
da minha mente, vivia como se nada disso tivesse acontecido; mas, logo depois,
elas reaparecem e bem reais.
Ele nos ameaçava. E dizia
que tudo não passava de brincadeiras. Que tudo aquilo era normal. Mas,
curiosamente, ninguém deveria saber. Apesar das ameaças, a minha irmã,
inocentemente, contou à minha mãe tudo. E neste momento a família foi dividida.
Os familiares não acreditavam, diziam que tudo não passava de mentiras. Pois,
crianças mentem. Mas meus pais insistiram e fomos à delegacia. Houve exames de
corpo de delito e foram detectados os abusos. Houve condenação, mas não me
recordo qual foi, até por que eu não entendia o que estava acontecendo direito
na época.
Tive acompanhamento
psicológico, pois meus pais temiam que eu não crescesse como as outras
crianças. No entanto, eu cresci. Mas cresci fria e com poucas amizades. Cresci,
mas sem conseguir demonstrar sentimentos e interesse na vida dos outros.
Cresci, mas os traumas permaneceram. Hoje, eu entendo que a minha timidez
durante a infância e a adolescência são reflexos do aconteceu comigo na
infância. O que eu sou, hoje, é reflexo do aconteceu no passado. Sou uma pessoa
normal de acordo com a sociedade cheia de padrões e estereótipos.
Mas as memórias que eu
carrego me deixam inquieta. É complicado querer desabafar sobre isso e não ter
com quem falar, pois são coisas horrendas e que nenhum ser humano normal iria
gostar de ouvir. São coisas que por mais que eu tenha bons amigos e uma boa
mãe, eu não posso compartilhar. São lembranças que irão morrer comigo, porque
externá-las, apesar de eu saber que não foi culpa minha o que aconteceu, me
provoca um sentimento de vergonha terrível.
Talvez seja daí a origem
do meu feminismo, a minha ânsia por justiça, a minha vontade de mudar o mundo e
salvar todas as pessoas que sofrem. Talvez seja daí a causa de eu tentar ser
forte o tempo todo, mesmo chorando escondida no final do dia. Talvez...
Uau. Fiquei estarrecida aqui.
ResponderExcluirMas ao mesmo tempo, feliz. Porque você não se tornou uma pessoa amarga, mas transformou seu trauma em luta.
<3
E o apoio da minha família foi essencial para que eu não me tornasse uma pessoa com traumas que atrapalhariam a minha vida social. Até tenho alguns, mas todos são usados como "munição" na minha militância feminista.
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