domingo, 26 de julho de 2015

Precisamos falar sobre pedofilia



Nas últimas semanas, um dos assuntos mais comentados em páginas e grupos feministas, foi a declaração de um rapaz em que ele se assumia pedófilo. Logo em seguida, ele recebeu comentários em que as pessoas o xingavam e amaldiçoavam a sua vida. Mas, o mais interessante neste fato, foi a quantidade de pessoas em que o apoiaram e diziam apoiar a prática da pedofilia.

As pessoas que tentavam justificar o crime, diziam que esta “vontade” e “atração por crianças” não passa de um distúrbio e que se eles se tratarem, podem se curar. No entanto, poucos foram os comentários sobre as vítimas dos pedófilos. Sobre os tratamentos psiquiátricos e psicológicos aos quais nos submetem tentando achar a cura para as marcas que ficam.

Por isso, resolvi escrever sobre isso: pedofilia. Fui vítima do meu primo, quando eu tinha uns 4 ou 5 anos, e ele tinha entre 15 e 16 anos. Segundo a minha mãe, os abusos duraram cerca de um ano, até que ela e meu pai descobrissem. Ele abusava de mim e da minha irmã, que é dois anos mais nova do que eu. Por sorte, ela não carrega lembranças da época, já eu as possuo bem nítidas em minha memória. E, por mais que eu tente, elas não desaparecem. Houve épocas em que eu simplesmente apaguei tudo da minha mente, vivia como se nada disso tivesse acontecido; mas, logo depois, elas reaparecem e bem reais.

Ele nos ameaçava. E dizia que tudo não passava de brincadeiras. Que tudo aquilo era normal. Mas, curiosamente, ninguém deveria saber. Apesar das ameaças, a minha irmã, inocentemente, contou à minha mãe tudo. E neste momento a família foi dividida. Os familiares não acreditavam, diziam que tudo não passava de mentiras. Pois, crianças mentem. Mas meus pais insistiram e fomos à delegacia. Houve exames de corpo de delito e foram detectados os abusos. Houve condenação, mas não me recordo qual foi, até por que eu não entendia o que estava acontecendo direito na época.

Tive acompanhamento psicológico, pois meus pais temiam que eu não crescesse como as outras crianças. No entanto, eu cresci. Mas cresci fria e com poucas amizades. Cresci, mas sem conseguir demonstrar sentimentos e interesse na vida dos outros. Cresci, mas os traumas permaneceram. Hoje, eu entendo que a minha timidez durante a infância e a adolescência são reflexos do aconteceu comigo na infância. O que eu sou, hoje, é reflexo do aconteceu no passado. Sou uma pessoa normal de acordo com a sociedade cheia de padrões e estereótipos.

Mas as memórias que eu carrego me deixam inquieta. É complicado querer desabafar sobre isso e não ter com quem falar, pois são coisas horrendas e que nenhum ser humano normal iria gostar de ouvir. São coisas que por mais que eu tenha bons amigos e uma boa mãe, eu não posso compartilhar. São lembranças que irão morrer comigo, porque externá-las, apesar de eu saber que não foi culpa minha o que aconteceu, me provoca um sentimento de vergonha terrível.

Talvez seja daí a origem do meu feminismo, a minha ânsia por justiça, a minha vontade de mudar o mundo e salvar todas as pessoas que sofrem. Talvez seja daí a causa de eu tentar ser forte o tempo todo, mesmo chorando escondida no final do dia. Talvez...

2 comentários:

  1. Uau. Fiquei estarrecida aqui.
    Mas ao mesmo tempo, feliz. Porque você não se tornou uma pessoa amarga, mas transformou seu trauma em luta.
    <3

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    1. E o apoio da minha família foi essencial para que eu não me tornasse uma pessoa com traumas que atrapalhariam a minha vida social. Até tenho alguns, mas todos são usados como "munição" na minha militância feminista.

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